Sobre o marco analítico-conceitual da tecnociência solidária
Solidarity technoscience. An analytical-conceptual framework
Abstract
Este texto apresenta o resultado de um propósito que persigo há mais de quatro décadas, que tem como origem mais remota minha filiação ao Pensamento Latino-americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade fundado nos anos 1970, cujo objetivo é utilizar nosso potencial tecnocientífico para superar o subdesenvolvimento, a dependência e a desigualdade. Mais especificamente, o conceito que aqui proponho de tecnociência solidária com a elemento central que traduz a metáfora de plataforma cognitiva de lançamento da economia solidária. A tecnociência solidária é a decorrência cognitiva da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico –que engendra a propriedade coletiva dos meios de produção– e de um acordo social –que legitima o associativismo–, os quais ensejam, no ambiente produtivo, um controle –autogestionário– e uma cooperação –de tipo voluntário e participativo–, provoca uma modificação no produto gerado cujo resultado material pode ser apropriado segundo a decisão do coletivo –empreendimento solidário. Este desenvolvimento demandou uma crítica superadora do conceito –de tecnologia social– utilizado no âmbito do movimento da economia solidária. O que anima a iniciativa que faço neste texto é o fato de que, contraditoriamente, dado que esse movimento é politicamente contra-hegemônico, se tendem a legitimar no plano cognitivo dois mitos que dificultam a inclusão social. O primeiro, é o da separação entre ciência e tecnologia. O segundo, é o da neutralidade da tecnociência. Para terminar, indico mais dois pontos: O primeiro, se refere à ideia de que o conceito de tecnociência solidária, colocado em substituição ao de tecnologia social, como derivado da especificação do conceito –genérico– de tecnociência pode contribuir para evitar o maniqueísmo do conceito usual de tecnologia social concebido por negação ao da tecnologia convencional. O segundo, é que parece ingênua e inócua a postura daqueles que, ao criticar a ideia de neutralidade da tecnociência capitalista, almejam uma outra que, esta sim, seja neutra e verdadeira. E que, em consequência, pretendem que os envolvidos com as atividades de pesquisa em instituições públicas se esforcem –reativamente– para não permitir que elas sejam “contaminadas” com os interesses privados. A postura que aqui se propõe é, ao contrário, francamente proativa. This text presents the result of a purpose that I have pursued for more than four decades, which has as its most remote origin my affiliation to Latin American Thought in Science, Technology and Society founded in the 1970s, whose objective is to use our technoscientific potential to overcome underdevelopment, dependency and inequality. More specifically, the concept I propose here of technoscience in solidarity with the central element that translates the metaphor of the cognitive platform for launching the solidarity economy. Solidary technoscience is the cognitive consequence of the action of a collective of producers on a work process that, due to a socioeconomic context (which engenders the collective ownership of the means of production) and a social agreement (which legitimizes associativism), which give rise, in the productive environment, to control (self-management) and cooperation (of a voluntary and participatory type), causes a change in the product generated whose material result may be appropriate according to the collective decision (solidarity enterprise). This development demanded an overcoming criticism of the concept –of social technology– used within the solidarity economy movement. What animates the initiative I make in this text is the fact that, by contradiction, given that this movement is politically counter-hegemonic, two myths that hinder social inclusion tend to legitimize on the cognitive level. The first is the separation of science and technology. The second is the neutrality of technoscience. Finally, I would like to point out two more points: The first refers to the idea that the concept of solidary technoscience, placed in substitution to that of social technology, as derived from the specification of the generic concept of technoscience can contribute to avoid the concept’s Manichaeism, usual social technology conceived in denial to conventional technology. The second is that it seems naive and innocuous the stance of those who, when criticizing the idea of neutrality of capitalist technoscience, aim for another one that, in fact, is neutral and true. And that, as a result, they intend that those involved in research activities in public institutions endeavor –reactively– not to allow them to be “contaminated” with private interests. The posture proposed here is, on the contrary, frankly proactive.